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Ministra vê inconstitucionalidade na MP de seguro habitacional que prevê interesse da CEF

Veja a decisão monocrática na íntegra:

RECURSO ESPECIAL nº 1091363 – SC (2008/0217715-7)
RELATORA : MIN. MARIA ISABEL GALLOTTI
REQUERENTE : CAIXA SEGURADORA S/A
ADVOGADO : FERNÃO COSTA E OUTRO(S)
REQUERENTE : CAIXA ECONÔMICA FEDERAL – CEF
ADVOGADO : LEONARDO GROBA MENDES E OUTRO(S)
REQUERIDO : VALQUÍRIA FEUSER BERNARDA E OUTROS
ADVOGADO : AUGUSTO OTÁVIO STERN E OUTRO(S)
INTERES. : UNIÃO – “AMICUS CURIAE”
INTERES. : SUL AMÉRICA COMPANHIA NACIONAL DE SEGUROS
ADVOGADO : DIOGO AZEVEDO BATISTA DE JESUS
DECISÃO
Cuida-se de petição protocolizada por SUL AMÉRICA COMPANHIA
NACIONAL DE SEGUROS, requerendo a aplicação da MP nº 633/13 ao “presente caso e em todos os demais processos e ações envolvendo o Seguro Habitacional do Sistema Financeiro de Habitação”.

Argumenta que, nos termos do art. 2º da mencionada Medida Provisória, “torna desnecessário comprovar a afetação das reservas do FESA/FCVS”, bem como “afasta qualquer dúvida sobre o interesse da CEF nos processos judiciais em curso que envolvam o SH/SFH”.

Diante disso, requer que este Juízo decline da competência jurisdicional em prol da Justiça Federal.

01. Inicialmente, impende frisar que as alterações pretendidas pela MP nº 633/13 terão reflexo direto em milhares de ações de responsabilidade obrigacional securitária ajuizada por mutuários cujas casas apresentam vícios de construção tão graves
que, no mais das vezes, toram impossível a ocupação do imóvel. São em sua grande maioria pessoas humildes, cujo sonho da casa própria se transformou em tormentoso pesadelo, incrementado pela absoluta falta de disposição e, por que não dizer, consciência social, das seguradoras, de simplesmente cumprirem o seu dever contratual e
resolverem o problema.

02. Ao contrário, tem-se assistido às mais variadas estratégias não apenas para procrastinação dos feitos, mas, pior do que isso, para eximir essas seguradoras de sua responsabilidade. Trata-se de diversificada gama de incidentes, recursos e pedidos – como o presente – invariavelmente motivados por tentativas descabidas de modificação da legislação que regula a matéria, que fazem com que esses processos se arrastem por anos a fio, não sendo difícil encontrar mutuários que litigam há mais de uma década sem sequer saber qual o Juízo competente para apreciar a sua pretensão.

03. Essa situação certamente não se coaduna com o direito social à moradia, assegurado pelo art. 6º da CF/88, tampouco com as iniciativas do Governo Federal de financiamento da habitação, que inclusive conta com a parceira da própria CEF.

04. Esse o contexto em que se insere mais esse pedido, cuja pretensão, aliás, não é nova.

05. Pedido semelhante foi formulado por companhias de seguro quando da edição da MP nº 478/09, tendo sido, já naquela ocasião, fulminado pela comunidade jurídica em geral, inclusive as diversas esferas do Poder Judiciário.

06. Assim como a MP nº 478/09, a MP nº 633/13 padece de vícios
insanáveis, caracterizando nova tentativa de, por via oblíqua, excluir as seguradoras da responsabilidade pelo pagamento de indenizações relativas a sinistros relacionados a defeitos de construção em imóveis do SFH.

07. O art. 2º da MP nº 633/13 da nova redação à Lei nº 12.409/11, cujo artigo 1º-A passa a dispor que “compete à Caixa Econômica Federal – CEF representar judicial e extrajudicialmente os interesses do FCVS”. Já o art. 4º da MP nº 633/13 ressalva que, “em relação aos feitos em andamento, a CEF providenciará o seu ingresso imediato como representante do FCVS”.

08. Em primeiro lugar, cumpre destacar que nos termos do art. 62, § 1º, I, “b”, da CF/88, é vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria relativa a direito processual civil.

09. Dessa forma, conclui-se ser inconstitucional a edição de Medida
Provisória para criar ou alterar a distribuição de competência jurisdicional.

10. A MP nº 633/13, sob o pretexto de dar continuidade à  organização administrativa da estrutura do FCVS imposta pela Lei nº 12.409/11 – transferindo para a União competência que era das seguradoras privadas – cria artificialmente um fato processual que ofende o princípio da perpetuação da jurisdição.

11. Não bastasse isso, de acordo com o art. 62, § 1º, III, da CF/88, também é vedada a edição de Medida Provisória sobre matérias reservadas a Lei Complementar.

12. Ocorre que, como visto, a MP nº 633/13 se sustenta na reorganização administrativa da estrutura do FCVS, sendo certo que, nos termos do art. 165, § 9º, II, da CF/88, cabe exclusivamente a Lei Complementar o estabelecimento de normas de gestão financeira e patrimonial da administração direta e indireta, bem como condições para instituição e funcionamento de fundos.

13. Ademais, o art. 192 da CF/88 também determina que o sistema
financeiro nacional seja regulado por Lei Complementar, sendo que, consoante decidiu o Pleno do STF no julgamento da ADI 2.223/DF, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 05.12.2003, “a regulamentação do sistema financeiro nacional, no que concerne à autorização e funcionamento dos estabelecimentos de seguro, resseguro, previdência e capitalização, bem como do órgão fiscalizador, é matéria reservada à lei complementar”.

14. Enfim, diversos são os óbices constitucionais a conferir legalidade à MP nº 633/13.

15. Aliás, da análise da respectiva exposição de motivos, constata-se que a justificativa para edição da MP nº 633/13 seria uma suposta deficiência das defesas apresentadas pelas seguradoras, sugerindo implicitamente a existência de fraudes nas ações judiciais de indenização por vício construtivo.
16. O argumento não é novo, tendo sido suscitado pela própria CEF nos terceiros embargos de declaração por ela interpostos nestes autos, cujo julgamento já se iniciou, encontrando-se com pedido de vista da i. Min. Isabel Gallotti desde 24.04.2013.

Mas, conforme salientei em meu voto, o combate a falhas e fraudes deve ocorrer pela fiscalização de todas as etapas das obras, até a entrega do imóvel, depois pela fiscalização dos comunicados de sinistro e das perícias realizadas, e finalmente pela utilização de vias investigativas próprias, de natureza criminal, detentoras de meios e
recursos adequados para apurar a existência de quadrilhas organizadas para fraudar o sistema habitacional.

17. Não há nenhuma racionalidade na ideia de se atacar o problema pela intervenção pontual em cada um dos milhares de processos indenizatórios, avaliando-os individualmente para tentar pinçar possíveis fraudes. Evidentemente, uma atuação concentrada, em processo criminal próprio, voltado para a identificação das próprias
quadrilhas, será muito mais efetiva, enfrentando-se a causa do problema e não os seus efeitos.

18. O que não se pode admitir é que esses equívocos estratégicos e de
planejamento sejam contornados mediante ingresso da CEF nas ações indenizatórias, em detrimento de milhares de mutuários portadores do legítimo direito à indenização.

19. Finalmente, vale notar que, com o claro propósito de contornar os vícios da MP nº 478/09, a MP nº 633/13 não fala em substituição processual das seguradoras pela CEF – o que, além de todas as ilegalidades apontadas acima, implicaria nova violação do art. 62, § 1º, III, da CF/88, na medida em que imporia a substituição
voluntária do polo passivo da ação, ingressando em seara processual regulada pelo art. 41 do CPC – limitando-se a mencionar o ingresso imediato da CEF como representante do FCVS.

20. Porém, a tentativa de aperfeiçoamento não surte os efeitos desejados, pois, como visto, a MP nº 633/13 continua padecendo de muitos dos vícios da MP nº 478/09. Por outro lado, embora não se possa mais falar em substituição processual, a redação do referido art. 1º- A permite inferir que o ingresso da CEF nos processos em
questão se dará na condição de assistente, tendo em vista o seu interesse jurídico sobre possíveis impactos econômicos no FCVS ou nas suas subcontas.

21. Ocorre que, conforme ressalvado no julgamento dos segundos
embargos de declaração interpostos pela CEF, desde a criação do próprio SFH, por intermédio da Lei nº 4.380/64, até o advento da Lei nº 7.682/88, as apólices públicas não eram garantidas pelo FCVS. Além disso, com a entrada em vigor da MP nº 478/09, ficou proibida a contratação de apólices públicas. Assim, o potencial interesse jurídico da CEF previsto na MP nº 633/13 somente existe entre 02.12.1988 (advento da Lei nº 7.682/88) e 29.12.2009 (entrada em vigor da MP nº 478/09), durante o qual conviveram apólices públicas e garantia pelo FCVS.

22. Neste processo, por exemplo, a própria CEF admite que “não há como se afirmar se os contratos objeto da presente demanda detêm ou não mencionada cláusula [de cobertura do saldo devedor pelo FCVS] (veja-se que nos autos não há cópia dos contratos nem mesmo a afirmação de que são eles desprovidos de vinculação ao FCVS)” (fl. 603).

23. Pior do que isso, depois de julgado o recurso especial e interpostos os primeiros embargos de declaração, a CEF acabou por admitir que, na espécie, os contratos derivam apenas de apólices privadas. Essa circunstância evidencia a sua falta de interesse para ingresso na presente ação, mesmo que, apenas para argumentar, se
admitisse a validade da MP nº 633/13.

24. Dessarte, por qualquer ângulo que se analise o pedido formulado pela requerente, conclui-se pela impossibilidade do seu acolhimento, tendo em vista: (i) a inconstitucionalidade da MP nº 633/13; e (ii) a ausência de interesse jurídico da CEF a justificar a sua intervenção nos processos em que não houver apólice pública garantida pelo FCVS, situação existente na hipótese dos autos.

25. Ainda no que tange às condições para o ingresso da CEF na lide, há de se considerar que, como nos seguros habitacionais inexiste relação jurídica entre o mutuário e a CEF (na qualidade de administradora do FCVS), conclui-se que a intervenção da instituição financeira, nos termos da MP nº 633/13, não se daria na condição de litisconsorte necessária, mas de assistente simples, regida pelo art. 50 do CPC, notadamente o seu parágrafo único, o qual estabelece que o assistente receberá o processo no estado em que se encontrar no momento em que for efetivamente demonstrado o seu interesse jurídico, portanto sem anulação dos atos praticados anteriormente.

26. Vale deixar registrado, portanto, apenas como complemento ao
raciocínio até aqui desenvolvido, que mesmo se fosse o caso de admitir o ingresso da CEF em ações versando sobre seguro habitacional, a instituição financeira teria de receber o processo no estado em que se encontrar.

27. Note-se que a peculiaridade presente na espécie – de que o ingresso do assistente acarreta deslocamento de competência – não autoriza que se excepcione a regra geral de aproveitamento dos atos praticados, sobretudo porque a interpretação lógico-integrativa do CPC evidencia que a sistemática de ingresso do assistente no
processo foi pensada com base no postulado da perpetuação da competência.

28. Ao eleger a assistência como a única modalidade de intervenção de terceiro admissível a qualquer tempo e grau de jurisdição, o legislador fixou como contrapartida necessária e indissociável que o assistente receba o processo no estado em que esse se encontre, não contemplando, pois, o deslocamento da competência.

29. Nesse sentido a lição de Cândido Rangel Dinamarco, que ao analisar a assistência observa que, “podendo essa modalidade interventiva ocorrer em qualquer fase do procedimento ou grau de jurisdição, nem por isso ficarão as partes sujeitas às incertezas ou retrocessos que ocorreriam se essa intervenção desconsiderasse preclusões e permitisse a realização de atos próprios a fases já superadas” (Instituições de Direito Processual Civil, vol. II, 6ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 386).

30. Em síntese, o aproveitamento dos atos praticados constitui elemento essencial da assistência, sem o qual o instituto potencialmente se transforma em fator de desequilíbrio e manipulação do processo.

31. Até por que, excepcionar a regra geral de modo a impor a anulação indistinta dos atos praticados na Justiça Estadual, abriria perigoso precedente no sentido de possibilitar, quando a aceitação da assistência implicar deslocamento de competência, que o assistente escolha o momento em que vai ingressar na lide e, com isso, determine a anulação de atos processuais conforme a sua conveniência.

32. Inclusive, por esses mesmos motivos, evidenciada desídia ou
conveniência na demonstração tardia do seu interesse jurídico para intervir na lide como assistente, não poderia a CEF se beneficiar da faculdade prevista no art. 55, I, do CPC.

33. Não se trata apenas de evitar o desperdício de anos de trâmite
processual, em detrimento dos mutuários – parte notoriamente hipossuficiente – mas também de preservar a paridade de armas, a boa-fé e a transparência que deve sempre informar a litigância em juízo.

34. Sopesadas todas as consequências jurídicas advindas do eventual
ingresso da CEF na lide como assistente simples, conclui-se que a solução que acarretaria menor prejuízo processual e social seria o aproveitamento dos atos praticados.

Forte nessas razões indefiro o pedido, determinando que o processo tenha regular prosseguimento.
Brasília (DF), 11 de fevereiro de 2014.
MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Ministra

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