Mesmo denunciados, servidores públicos flagrados em atos ilegais permanecem recebendo vencimentos até o fim do processo administrativo, o que costuma levar sete meses, em média, mas pode durar 10 anos
ANA D’ANGELO O governo federal encerrou o ano com 13.036 servidores do Executivo na geladeira. Eles respondem a 9.344 procedimentos disciplinares — sindicâncias e Processos Administrativos Disciplinares (PADs). Enquanto aguardam o desfecho da apuração das supostas irregularidades cometidas, muitos ficam sem os eventuais cargos de chefia que anabolizavam a renda, mas seguem trabalhando em outros setores, embolsando o salário integral. No caso de alguns deles, polpudos vencimentos. Outros optam por antecipar a aposentadoria. Não menos gorda. Há aqueles que nem trabalhando estão, mas o salário continua caindo na conta. Os dados da Controladoria-Geral da União (CGU) apontam que 18% dos PADs concluídos nos últimos cinco anos comprovaram o envolvimento do servidor em falcatrua e resultaram em expulsão do funcionário — total de 2.456. São esses que o contribuinte continua pagando o salário pelo tempo que dura a apuração até a demissão, que pode levar mais de 10 anos desde a ocorrência dos fatos. Apenas 7% deles conseguiram reintegração por liminar judicial — sem julgamento do mérito. A CGU garantiu que o tempo médio de duração dos PADs no Executivo federal é de sete meses, da instauração ao relatório, sem contar o prazo para decisão final do ministro responsável pela pasta. Porém, não divulgou quais são os mais antigos ainda em tramitação. Entre 2009 e 2013, foram julgados 18.443 desses processos administrativos. Outros30% dos servidores punidos receberam suspensão das atividades por até 90 dias, e 22% foram advertidos. As sindicâncias e os PADs mais rápidos apuram condutas do trabalho diário, como excesso de faltas ou desídia. São os que resultam, em geral, em punição mais leve e na manutenção do emprego público. Os que investigam denúncias de corrupção demoram anos. Há casos de servidores que, mesmo flagrados promovendo falcatruas na administração pública, conseguem manter o cargo comissionado enquanto dura a apuração interna. Preso na Operação Porto Seguro da Polícia Federal, em novembro de 2012, Rubens Vieira não ocupa mais a cadeira de diretor da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). No contracheque, no entanto, nada mudou nesses 13 meses. Ele, o irmão Paulo Vieira, a ex-chefe de gabinete do escritório da Presidência da República em São Paulo Rosemary Noronha e outros servidores são acusados de integrar uma quadrilha que fabricava pareceres técnicos em vários órgãos federais para lesar os cofres públicos em benefício de políticos e empresários. Enquanto o PAD não é concluído, Vieira continua embolsando, sem uma gota de suor da labuta diária, R$ 28 mil de salário. Inclui o vencimento básico de servidor de carreira da Procuradoria da Fazenda Nacional, de R$ 20,4 mil; mais 11,8 mil por conta da Anac. Somam R$ 32,2 mil mensais. O valor cai para R$ 28 mil porque bate no teto constitucional do funcionalismo. Ele se valeu da Lei nº 11.182 de 2005 que criou a Anac, que afasta preventivamente o diretor envolvido em irregularidades, mas garante o pagamento do salário até a conclusão do PAD. “Enquanto não sai o resultado, o diretor continua afastado, recebendo seus vencimentos”, informou a Anac. “Afastado” Tiago Pereira Lima, ex-diretor da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), também preso por participar da quadrilha, pediu aposentadoria em julho do ano passado como técnico de Finanças e Controle da STN. Também espera em casa o desfecho do PAD embolsando todo mês o benefício de R$ 9,4 mil. Os outros denunciados na mesma operação, como o ex-advogado adjunto da União José Weber Holanda Alves, seguem trabalhando e recebendo. Procurador federal de carreira, Weber despacha atualmente na Escola da Advocacia-Geral da União, em Brasília, com o salário de R$ 20,4 mil. A má notícia para o contribuinte é que esses processos não devem ser encerrados tão cedo. AGU e CGU prometem a conclusão até junho deste ano — a previsão anterior era junho de 2013— , mas poucos apostam nisso. A própria AGU justificou a demora pela necessidade de analisar 20 mil páginas de documentos e 10 mil horas de gravação, sem contar o direito à ampla defesa dos envolvidos. Nos outros Poderes, a demora se repete. Promotor de Justiça de Goiás, Demóstenes Torres continua recebendo todo mês, desde outubro de 2012, o salário integral de R$ 25,7 mil, sem trabalhar. O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) manteve o afastamento do ex-senador do DEM até o término da apuração no âmbito do MP. Ele foi cassado pelo Senado em julho de 2012, por quebra de decoro parlamentar. No fim de 2013, o presidente doSupremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, também decidiu a favor do desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo Arthur del Guércio Filho e manteve o salário integral, de R$ 27 mil, até que o processo aberto contra o magistrado por venda de sentenças seja concluído. PAD mais lento que a Justiça As acusações contra três servidores da Fundação Nacional do Índio (Funai) por prática ilegal de garimpo nas terras indígenas dos cintas-largas, na reserva Roosevelt, em Rondônia, datam de novembro de 2003 e início de 2004, quando dois deles chegaram a ser presos preventivamente. José Nazareno Torres, Valdir de Jesus Gonçalves e João Bosco Farias são réus em inquéritos e em ações penais e por improbidade administrativa. O primeiro tem duas condenações de ações iniciadas em 2005. Porém, o Processo Administrativo Disciplinar (PAD) contra o trio foi aberto somente em 2010 e tramita até hoje. Eles são acusados de cobrar propina para entrada de garimpeiros na reserva, envolvimento na extração ilegal de madeira e de diamantes e vazamento de informações sobre as operações da Polícia Federal (PF) e de demais órgãos na região. Torres já foi condenado em dois processos em primeira instância. Em um deles, a pena foi de mais de quatro anos de prisão pelo crime de concussão — exigência de vantagem indevida. Em junho de 2010, Torres foi condenado novamente a prestar serviços comunitários, ao pagamento de multa e à perda do cargo público. Está recorrendo em liberdade das duas sentenças. Foi quando a Funai instaurou o PAD contra eles. Os servidores continuam trabalhando normalmente no Executivo. Torres está lotado na Funai no Pará, e Gonçalves, em Tabatinga (AM). Ambos têm salário de R$ 6,5 mil. Farias está no setor de cadastro e pagamento da Fundação Nacional de Saúde, do Ministério da Saúde, com salário de R$ 4 mil. Procurada, a Funai informou que o PAD aberto em 2010 foi inconclusivo. Por isso, a Corregedoria do órgão decidiu pela instauração de “nova comissão processante”, com o objetivo de sanar as nulidades detectadas. Segundo o órgão, o processo terá nova comissão designada neste mês, “com a prioridade devida para a sua conclusão” (AD).
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