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Deputado doa computador, você paga a conta

Ministério Público Federal quer saber destino de 4,7 mil máquinas que a Casa entregou para que deputados as doassem em seus estados. Procuradores desconfiam de uso eleitoral na iniciativa

Sem fazer qualquer alarde, a Câmara encontrou uma maneira inusitada de se desfazer de 4.755 computadores comprados com dinheiro público, que substituiu por novos modelos no ano passado. Deu aos 513 deputados o direito de indicar entidades assistenciais ou prefeituras de suas bases eleitorais para onde deveriam seguir as máquinas de seus gabinetes, inutilizadas por terem mais de quatro anos de uso.
 
A decisão foi registrada numa ata da reunião da Mesa Diretora e num ofício encaminhado no dia 29 de abril aos gabinetes pelo primeiro-secretário, Rafael Guerra (PSDB-MG), em que ele solicitava aos parlamentares a indicação dos beneficiários. Quase um ano depois, os computadores continuam sendo entregues pelos deputados. Apesar de a Primeira Secretaria informar que os aparelhos foram retirados da Câmara até o dia 29 de dezembro, para evitar problemas com a Justiça eleitoral, o Congresso em Foco localizou na internet notícias de doações feitas até março. 
 
Mesmo sem um ato normativo que respaldasse a decisão da Mesa, de 7 de abril de 2009, o primeiro-secretário enviou, no auge da crise das passagens aéreas, um ofício em que determinava a indicação das entidades “para fins e uso de interesse social”. O documento (veja aqui) estabelecia que cada deputado poderia doar até oito computadores, um por entidade ou prefeitura. Mas há casos de parlamentares que doaram número maior de máquinas e de instituições que receberam mais de uma unidade.
 
Como nem todos os deputados fizeram indicações, houve nova divisão de aparelhos. Procurada pela reportagem, a Primeira Secretaria não soube informar quem são os deputados doadores nem quais as entidades beneficiadas.
 
Inquérito em andamento
 
Uma denúncia anônima levou o caso ao Ministério Público Federal (MPF) no Distrito Federal, que instaurou um inquérito civil público para apurar a legalidade das doações. O MPF aguarda desde agosto, ou seja, há oito meses, uma resposta da Câmara ao seu pedido de informações. 
 
Um ofício foi encaminhado à Casa pela Procuradoria-Geral da República (PGR) em 21 de setembro do ano passado. Como não houve resposta, foram feitos dois novos pedidos: em novembro de 2009 e, mais recentemente, em fevereiro deste ano.
 
O MPF cobra da Câmara o envio do ato normativo que respalda a distribuição dos computadores, os critérios de escolha das instituições e “o modo de operacionalização dessa distribuição”. 
 
No ofício encaminhado aos gabinetes, a Câmara se ampara no Regulamento dos Procedimentos Licitatórios para fazer as doações sem licitação. Guerra mira o artigo 150, parágrafo II, para dispensar o processo licitatório e permitir que as transferências sejam feitas em caso de interesse social. Mas o referido artigo não diz que cabe aos deputados indicarem as entidades a serem beneficiadas.
 
Burocrática e legal
 
Por meio da sua assessoria, o deputado Rafael Guerra informa que a questão é apenas “burocrática e que foi feita da forma mais legal possível”. A Primeira Secretaria argumenta que um leilão sairia muito mais caro e que já não havia mais espaço para guardar equipamentos antigos na Câmara. Também informa que as doações aconteceram até o dia 29 de dezembro de 2009, justamente para que não houvesse problema com a Justiça Eleitoral.
 
Além disso, a Primeira Secretaria destaca que, em 2009, a Câmara doou R$ 80 milhões do seu orçamento para o Ministério da Educação e que o dinheiro foi aplicado em creches em todo o país. O recurso tem origem em cortes de gastos da instituição, segundo a assessoria do primeiro-secretário. O órgão disse ainda desconhecer qualquer questionamento do MPF sobre as doações dos computadores.
 
Deputados querem explicação
 
Mas o caso segue obscuro até mesmo para parlamentares. Nem todos tiveram suas indicações atendidas pela Primeira Secretaria. É o que alega o gabinete do deputado Wladimir Costa (PMDB-PA). “Entramos ainda no ano passado com a solicitação, indicando as entidades que deveriam receber. Mas estamos sem resposta até agora”, afirmou a assessoria do deputado.
 
Wladimir doou 25 computadores no município de Prainha (PA), onde foi recebido em carreata pelo prefeito. O gabinete diz que as máquinas não eram da Câmara e foram compradas com recursos próprios do deputado. “Ele tem várias escolas de informática. É uma coisa que ele faz há muito tempo. São telecentros móveis. Mas ele é que arca com os custos”, ressaltou a assessoria, que diz que vai solicitar explicações sobre o andamento das indicações feitas pelo parlamentar à Primeira Secretaria.
 
Preocupado com o possível uso eleitoral da doação, o deputado Chico Alencar (Psol-RJ) preferiu indicar uma escola municipal em Valparaíso de Goiás, no entorno do Distrito Federal, para receber os computadores.
 
“Fiz isso fora do meu domicílio para afastar essa especulação. No meu ofício pedi para que nas próximas trocas não houvesse essa intermediação dos deputados e que as próprias entidades procurassem a Câmara. Assim, se manteria o princípio da impessoalidade e evitaria o uso eleitoral”, afirmou Alencar. Para o deputado do Psol, a Câmara tem a obrigação de divulgar quem foram os deputados que doaram e quais são as entidades que receberam os computadores. “A Câmara também tem a obrigação de responder ao pedido de informações do Ministério Público”, salientou.
 
Indícios de ilegalidade
 
A Câmara diz que não pagou o transportes dos computadores, mas aceitou que assessores de deputados retirassem as máquinas mediante procuração assinada pelas entidades escolhidas. A prática é considera ilegal por dois especialistas ouvidos pelo Congresso em Foco.
 
“Não tenho dúvida. É improbidade administrativa. Essas doações são ilegais”, disse ao site Luiz Tarcísio Teixeira Ferreira, professor de Direito Constitucional da PUC-SP, especialista em Direito de Estado. “Qual o objetivo de o parlamentar fazer essas doações senão o de fazer proselitismo político? Isso não é próprio nem função do Parlamento. Em ano eleitoral, é uma situação ainda pior e abusiva”.
 
Para Luiz Tarcísio, não há nenhuma regra, lei ou dispositivo constitucional que permita esse tipo de doação pelo Congresso. “Se fosse a Câmara, e não os deputados, seria menos ruim, mas continua ilegal. Pode até ter boa intenção, mas de boas intenções o inferno e as boas cadeias estão cheias”.
 
Segundo o professor da PUC-SP, o Estado não pode dispor dos seus bens livremente. Na avaliação dele, a ação da Câmara fere os princípios constitucionais da impessoalidade e da moralidade pública. “Existe um capítulo da Lei de Licitações que prevê como e de que modo a União pode fazer doações. E isso não é dever da Câmara ou dos deputados”, pontuou.
 
Para o advogado Alberto Rollo, especialista em direito eleitoral, o principal problema neste caso é a falta de publicidade e transparências nas doações.
 
“O problema jurídico neste caso é não saber se esses computadores foram realmente entregues. O cidadão comum não tem como checar se os computadores chegaram ao destino. Se vocês me dizem que as entidades deram procurações para os assessores dos deputados, pode até ser que, em alguns casos, as máquinas estejam na casa deles”, afirmou Rollo. “Esse é só mais um mecanismo que dá vantagem para os deputados em relação aos cidadãos que vão disputar as eleições este ano. Mais uma vez, se rompeu o princípio constitucional da isonomia”, avalia.  
 
“Posso doar para onde eu quiser”
 
Embora a Primeira Secretaria da Câmara informe que as doações cessaram em dezembro do ano passado, alguns deputados continuam entregando computadores em pleno ano eleitoral, conforme atestam publicações na internet. O Portal das Ruas, por exemplo, registra uma doação do deputado Dr. Talmir (PV-SP) à Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) de Pirapozinho, no interior paulista. “É um computador de bom funcionamento, que foi usado pela Câmara dos Deputados, que posso doar para onde eu quiser. Desta vez, contemplei Pirapozinho”, afirmou o deputado, em matéria publicada em 19 do fevereiro deste ano.
 
A data da entrega contraria a informação da Primeira Secretaria que informou ao site que as doações foram feitas até dezembro de 2009 para evitar conotação eleitoral. O site procurou a assessoria de Dr. Talmir, mas ele não retornou o pedido de entrevista. Outros parlamentares também fizeram o mesmo este ano. Eles afirmam que não pediram para doar e apenas seguiram uma determinação da Câmara ao indicar as entidades beneficiadas. Segundo eles, é incabível qualquer ilação entre as doações e a campanha eleitoral.

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