Uma nebulosa licitação no município de Santa Luzia (PB) revela o tamanho do problema que o governo terá para fiscalizar a liberação dos R$ 432,66 milhões previstos no orçamento deste ano para a promoção de festas juninas, carnavais, feiras, exposições e festivais. Executado pelo Ministério do Turismo, o convênio firmado com o município contraria a Lei de Licitações na aplicação dos R$ 700 mil que vão bancar os cinco dias de festejos do São João na cidade de 14 mil habitantes.
Documentos obtidos pelo [b]Congresso em Foco[/b] mostram que dois dos três orçamentos feitos pela prefeitura para a divulgação do evento não tinham sequer a identificação do Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) das supostas empresas: a Ótima Ideia e a Resultado Comunicação. Apontada como vencedora da disputa por apresentar o menor preço, a Miranda Comunicação nega ter sido contratada pela prefeitura e veiculado os anúncios na mídia, ao contrário do que informa o município ao Ministério do Turismo (MTur).
O casal Bernadete e Lindomar Miranda, sócios da Miranda Comunicação, diz que não sabia que a tabela de preços por eles enviada à prefeitura seria usada como proposta de uma licitação pelo modelo carta-convite. Bernadete também disse ao [i]site[/i] que foi orientada a mandar apenas valores das inserções e sem o custo de produção das peças publicitárias da festa de Santa Luzia. “Posso garantir que não fizemos essas inserções e sequer fomos avisados que tínhamos ganhado a licitação. Desde o dia que enviei a proposta não sei de mais nada”, diz Bernadete. Lindomar também sustenta que a prefeitura fez a veiculação de peças publicitárias em outdoors e nas TVs locais diretamente com os veículos.
A proposta da Resultado Comunicação é assinada por Danúbio Melo, profissional autônomo na área de prestação de serviços de publicidade e corretor de imóveis em João Pessoa. Questionado pelo [b]Congresso em Foco[/b], Danúbio confirmou que a Resultado Comunicação não é uma empresa registrada formalmente. Trata-se apenas de um nome fantasia usado por ele no mercado publicitário local.
Danúbio Melo contradiz a versão do casal Miranda de que a agência deles não ganhou a licitação em Santa Luzia. O corretor também revela que encaminhou a pedido da Miranda Comunicação o orçamento que acabou incuído no processo licitatório. “Quem ganhou essa licitação foi a Miranda e quando enviei o orçamento achei que ia prestar serviço para a agência e não diretamente para prefeitura”, afirma.
Bernadete Miranda rebate a declaração do corretor. “Eu desafio quem quer que seja a provar que mandei algo mais do que um orçamento. Quando se ganha uma licitação é preciso assinar contratos e isso não aconteceu”, diz.
O chefe de gabinete da prefeitura de Santa Luzia, Maércio Suerdo, evitou entrar na polêmica. Limitou-se a dizer que a prefeitura está levantando os registros das duas empresas que não apresentaram seus cadastros de pessoa jurídica para atender a um pedido do Ministério do Turismo. “O ministério já pediu essas informações e a pessoa responsável pela pesquisa estava em São Paulo e ainda não conseguiu as informações”, afirma Suerdo. O funcionário sustenta que as propostas das três empresas representam apenas uma consulta ao mercado publicitário e não uma licitação por carta convite.
Mas os mesmos documentos foram anexados pelo município no sistema de convênios do governo federal sob a denominação de carta-convite. Esse modelo de licitação só é permitido, de acordo com a Lei 8666/93, para serviços de até de R$ 80 mil. A fixação desse teto pretende evitar fraudes como as que aconteceram com as emendas parlamentares que irrigaram o esquema conhecido como máfia das ambulâncias. Fracionando o valor dos veículos e dos equipamentos médicos em duas licitações até o valor máximo permitido, diversas prefeituras direcionaram as cartas-convites para a empresa do grupo Vedoin, acusado de ser o principal operador das fraudes.
O ministério exige das prefeituras três propostas na modalidade carta-convite, para a contratação de empresas que prestem os serviços de infra-estrutura, como segurança e palco, e de mídia, com a inserção de peças publicitárias em rádios, TVs, jornais e sites. No caso das atrações artísticas, basta a apresentação de uma única proposta. A portaria do MTur prevê a destinação de 10% a 25% do valor do convênio para a divulgação da atividade fora da cidade de origem, como forma de estimular o turismo na região. Em seu artigo 15, a norma limita a R$ 300 mil o valor da emenda parlamentar destinada a um mesmo evento. Mas o próprio ministério deixa uma brecha, nas disposições finais da portaria, para que o secretário-executivo do Turismo julgue, conforme a relevância do evento turístico, os casos excepcionais em que o teto pode ser descumprido.
A prefeitura de Santa Luzia apresentou ao MTur três propostas para inserções de comerciais. Aquela que deveria ser a vencedora, por ter apresentado o menor valor, a Miranda Comunicação entregou um orçamento de R$ 175 mil, acima do teto estabelecido pela lei. Questionada pela reportagem, a pasta transfere a responsabilidade sobre o caso para o município.”Todo o processo de contratação de serviços é de responsabilidade da prefeitura convenente”, diz a assessoria do ministério. Na mensagem enviada ao site (leia a íntegra), o MTur confirma que a prestação de contas tem de ser feita “à luz da Lei 8.666/93 e demais instrumentos legais que regem o assunto”.
O Mtur também informa que nesta fase não tem a responsabilidade de verificar a veracidade das informações encaminhadas pelo município e que isso só acontecerá após a aplicação do dinheiro. “O Ministério do Turismo não faz qualquer aprovação dos orçamentos na fase de análise dos projetos, pois eles são apenas propostas de referência. A veracidade das informações prestadas é de responsabilidade única do convenente, e todo o processo licitatório será alvo de fiscalização na prestação de contas”, ressalta a assessoria.