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Ilegalidades no transporte de presos

Quando a polícia prende e transporta para a delegacia aquele que supostamente cometeu crime, geralmente o faz colocando o cidadão num cubículo na parte traseira da viatura vulgarmente conhecida como “camburão”.

Quando a polícia prende e transporta para a delegacia aquele que supostamente cometeu crime, geralmente o faz colocando o cidadão num cubículo na parte traseira da viatura vulgarmente conhecida como “camburão”, como se vê nas operações divulgadas quase diariamente na mídia televisiva. Aliás, camburão quer dizer “vaso em que os presos retiram as fezes quando limpam o xadrez” (Koogan/Houaiss — Enciclopédia e dicionário ilustrado. 4ª Ed., Rio de Janeiro: Seifer, 1999, p. 303).
Ao falar da segregação nos estabelecimentos prisionais, o jurista Evandro Lins e Silva revelou que “é preciso segregar o perigoso, mas segregar de uma maneira humana, não cruel, não bárbara. (…), evidentemente é uma afronta à dignidade da pessoa humana.” (Silva, Evandro Lins e. O salão dos passos perdidos: depoimento ao CPDOC. Rio de Janeiro: FGV, 1997, p. 274). Essa lição é oportuna, pois, salvo algumas louváveis exceções, os presos, invariavelmente, percorrem o trajeto apertados naquele compartimento de carga.
Não se pretende aqui discutir a legalidade da prisão, mas apenas acender uma discussão relativa ao transporte de presos no Brasil. Diz a Constituição que são assegurados aos presos o respeito à sua integridade moral (art. 5º, XLIX, CF). Então, por que a polícia transporta o encarcerado na parte traseira da viatura policial?
A legislação de trânsito prevê como infração gravíssima (com pena de multa e apreensão do veículo, além de remoção do veículo) o transporte de pessoas no compartimento de carga de veículo automotor, em especial pick-ups e camionetas [Código de Trânsito Brasileiro. (“Art. 230. Conduzir o veículo: (…) II — transportando passageiros em compartimento de carga, salvo por motivo de força maior, com permissão da autoridade competente e na forma estabelecida pelo Contran”).
Salvo as exceções previstas (Contran/Resolução 82/1998: “Art. 11º — O transporte de passageiros em veículos de carga, remunerado ou não, poderá ser autorizado eventualmente e a título precário, desde que atenda aos requisitos estabelecidos nesta Resolução. Art. 2º Este transporte só poderá ser autorizado entre localidades de origem e destino que estiverem situadas em um mesmo município, municípios limítrofes, municípios de um mesmo Estado, quando não houver linha regular de ônibus ou as linhas existentes não forem suficientes para suprir as necessidades daquelas comunidades”). Comete infração de trânsito quem transporta, por exemplo, adolescente na parte traseira de camioneta, pois aquele compartimento é destinado à carga e não ao transporte de passageiro.
Essa atitude é ofensiva à dignidade da pessoa humana, pois viola a sua imagem, já degradada pela condição social de preso. Temos, com isso, a primeira ilegalidade cometida pelo Estado.
A segunda ilegalidade reside na violação das referidas normas de trânsito. Ora, o Estado — por meio da polícia — viola normas de trânsito e degrada a condição de preso, não observando as garantias constitucionais. O professor Gilmar Ferreira Mendes ensina que, “dessarte, a Constituição conferiu significado especial ao princípio da dignidade humana como postulado essencial da ordem constitucional (art. 1º, III). Na sua acepção originária, esse princípio proíbe a utilização ou transformação do homem em objeto dos processos e ações estatais. O Estado está vinculado ao dever de respeito e proteção do indivíduo contra exposição a ofensas ou humilhações. (Mendes, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, págs. 485/486.)
Com efeito, não é porque o cidadão cometeu infração penal que legitima o Estado a infringir norma legal de trânsito. Uma ação não justifica a outra. Fosse esse argumento válido, teríamos de transportar o preso no porta-malas de carros de passeio. Nesse sentido, mister salientar a previsão do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90), que prevê no art. 178: “O adolescente a quem se atribua autoria de ato infracional não poderá ser conduzido ou transportado em compartimento fechado de veículo policial, em condições atentatórias à sua dignidade, ou que impliquem risco a sua integridade física ou mental, sob pena de responsabilidade.” Ora, essa deveria ser a regra para todos os cidadãos, posto que não se perde a dignidade ao completar dezoito anos.
É preciso acabar com mais essa ilegalidade, dando dignidade ao preso também no seu transporte, para que o camburão não seja mais um navio negreiro.
Autor: Hector Ribeiro Freitas
Professor de Direito Processual Penal do Iesb, advogado em Brasília
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