Rayfran das Neves Sales e Clodoaldo Carlos Batista foram condenados à 27 e 17 anos de reclusão, respectivamente, por homicídio duplamente qualificado pelo assassinato da missionária Dorothy Stang. Por não apresentarem antecedentes criminais, os dois não tiveram a pena máxima e o fato de Rayfran ter confessado amenizou sua pena.
Após a condenação, a mãe de Rayfran das Neves, que é réu confesso, Raimunda Rodrigues, disse que o filho não falou tudo que sabia e que ele estava assumindo uma culpa que não é só dele. Também após o anúncio da condenação, agricultores amigos da missionária, morta em fevereiro deste ano, fizeram uma manifestação em frente ao Fórum do município de Anapu. Os dois irmãos de Dorothy, que acompanharam o julgamento, disseram que estavam satisfeitos com o resultado.
O julgamento
A sessão deste sábado do julgamento de Rayfran e Clodoaldo Carlos Batista pelo assassinato da irmã Stang foi dedicada ao debate entre a acusação e a defesa.
O promotor Edson Cardoso, que abriu os debates pela acusação, pediu a condenação dos dois acusados por autoria e co-autoria na morte da missionária. Ele discursou durante duas horas, e se emocionou ao lembrar que Dorothy foi assassinada com seis tiros. O promotor acrescentou que os assassinos devem receber pena máxima, que é de 30 anos.
Durante a manifestação de Cardoso, Rayfran chorou em plenário. O promotor afirmou ainda que o crime foi por encomenda e que Rayfran fora contratado por Amair Feijoli, o “Tato”, a mando dos dois fazendeiros acusados.
Já a defesa iniciou sua manifestação tentando desclassificar o crime de homicídio qualificado para homicídio simples, apresentando ao Conselho de Sentença as alegações que sustentam a tese de que não houve premeditação do crime. Com a desclassificação, o objetivo é retirar da acusação as qualificadoras, que são a promessa de pagamento pela execução do assassinato, e uso de meios que dificultaram ou tornaram impossível a defesa da vítima.
Raimunda Rodrigues dos Santos, mãe de Rayfran das Neves Sales, réu confesso no assassinato da missionária norte-americana Dorothy Stang, de 73 anos, em fevereiro no Pará, disse que ela e sua família teriam sofrido ameaças de morte da esposa do Amair Feijoli da Cunha, o “Tato”, pelo fato de Rayfran e seu pai estarem falando ‘muita besteira’ em seus depoimentos.
Ontem, Rayfran das Neves Sales, conhecido como “Fogoió”, disse ao Tribunal do Júri que matou a ativista em legítima defesa, pois confundiu a Bíblia dela com uma arma, e não porque tinha sido contratado para fazê-lo, como afirmara anteriormente.
“Ela disse: ‘A arma que tenho é esta’ e pôs a mão dentro da bolsa”, afirmou Rayfran, acrescentando que pensou que Stang ia puxar um revólver quando, na verdade, ela queria pegar a Bíblia.
O julgamento dos dois acusados pelo assassinato começou na sexta-feira.
Rayfran afirmou que Amair Feijoli da Cunha, o Tato, fazendeiro para quem ele trabalhava, lhe disse que Stang e as pessoas que ela representava tinham intenção de matá-los para resolver conflitos sobre uma área onde ela estava estabelecendo uma reserva do governo federal.
“Ele disse: ‘Você tem de matar essa mulher. Se não, essa mulher vai nos matar”‘, afirmou Rayfran, enquanto sua namorada chorava e seus pais lamentavam.
O promotor Edson Souza ridicularizou a mudança na versão de Rayfran e disse que Stang era conhecida no Brasil e no exterior como defensora da não-violência.
Segundo o promotor, o réu estava tentando escapar das acusações de assassinato, crime para o qual estão previstas penas mais duras do que para homicídio simples.
Edson Souza questionou os motivos que levaram Rayfran a responsabilizar Cunha pelo incentivo ao crime, depois de ter dito que o responsável fora outro fazendeiro, Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida.
“Antes, o senhor disse que Moura lhe ofereceu 50.000 reais para matar a irmã Dorothy. Por que essa mudança?”, perguntou Souza.
Batista, acusado de incentivar Rayfran a atiram na missionária, apresentou uma linha de defesa semelhante. Disse perante o júri popular que os dois só receberam ofertas de dinheiro depois do crime, para a sua fuga.
Os dois fazendeiros, Tato e Bida, foram acusados de ordenar o crime, enquanto outro homem é acusado de pagar os pistoleiros para realizá-lo. Tato e Bida estão presos e devem ser levados a julgamento no próximo ano.
O ministro da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Mario Mamede, disse que esta é a primeira vez no Brasil que acusados de serem pistoleiros, intermediários e mentores intelectuais de um assassinato encomendado na Amazônia são todos indiciados.
“Mostramos que é possível romper o ciclo da impunidade”, disse Mamede, que estava em Belém para monitorar o julgamento, como representante do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O governo federal prometeu restaurar a ordem na Amazônia depois do assassinato de Stang e enviou soldados ao Pará. Mas a expectativa é de que os assassinatos de trabalhadores rurais em disputas de terra no Pará cresçam novamente em 2005, segundo ativistas dos direitos humanos.
Os proprietários de terra do Pará e os que os apóiam afirmam que Stang era uma militante esquerdista que encorajava os agricultores a ocupar ilegalmente propriedades privadas.
O Pará é o estado onde ocorre a metade de todas as mortes ligadas ao conflito por terras no Brasil.
“Esse julgamento é o primeiro passo no sentido da verdade e justiça”, disse Hina Jilani, enviada especial da ONU.