Em menos de 15 dias, o juiz federal Paulo Alberto Jorge, da 1 Vara Federal de Guaratinguetá, município de pouco mais de cem mil habitantes a 180 quilômetros de São Paulo, concedeu duas liminares que põem o dedo na ferida do passado político do país. No último dia 11, o juiz concedeu liminar determinando que documentos do Exército relativos ao período da ditadura militar lhe fossem remetidos para serem examinados por uma comissão, que verificaria se devem ou não permanecer em sigilo. Ontem, a determinação foi estendida também para Marinha, Aeronáutica e Abin. Anteontem, ele determinou que os perseguidos políticos devem receber uma pensão de, no máximo, R$ 2.400 por mês.
Em entrevista ao GLOBO, o jovem juiz explicou suas decisões e critica pessoas que recebem o benefício mas não precisam dele para viver, ao contrário da maioria dos perseguidos políticos pelo regime militar.
Adauri Antunes Barbosa
Haverá devolução de quem ganha mais de R$ 2,4 mil?
PAULO ALBERTO JORGE: O pedido do Ministério Público é objetivo ao fixar R$ 2,4 mil como teto: estabelecer um parâmetro, que é o regime da Previdência Social. Vai ser decorrência da decisão, no processo, a revisão das que foram concedidas em valores superiores aos dos limites da Previdência.
Não há direito adquirido?
PAULO JORGE: Não existe direito adquirido em face de abuso de direito e ilegalidade.
O presidente Lula e o ex-presidente Fernando Henrique recebem aposentadorias por terem sido perseguidos políticos. Elas podem ser revistas?
PAULO JORGE: Eventualmente vão atingir os interesses individuais dessas pessoas. A decisão vai se estender a todos, presidentes, ex-presidentes. Se o Fernando Henrique estiver ganhando hoje mais de R$ 2,4 mil, o Lula também, vão estar limitados a R$ 2,4 mil.
Quem deveria de fato receber esses benefícios?
PAULO JORGE: As pessoas que recebem valores menores são as mais necessitadas. Fizeram uma comparação do Carlos Heitor Cony com a viúva do Manoel Fiel Filho. Ela, viúva de um assassinado pela ditadura, recebe R$ 900 de pensão e recebeu R$ 300 mil de atrasados. Cony, que sofreu uma ameaça e teve uma novela suspensa, preso duas vezes, recebeu R$ 1,4 milhão de atrasados e uma pensão de R$ 19 mil, o teto. Pessoas que estão sendo agraciadas com indenização por conta de abusos, e isso não se discute, recompuseram suas vidas, estão hoje muito bem, não têm necessidade. Outras tiveram suas vidas destruídas, como é o caso da viúva de Manoel Fiel Filho.
O senhor acha que o presidente Lula não precisava?
PAULO JORGE: Inclusive o Lula, que pediu recentemente. Ele não precisava ter pedido. Quem faz a opção pelo pagamento único tem direito a R$ 30 mil por ano que passou amargando os prejuízos. O valor máximo é R$ 100 mil para esse cálculo, que é de R$ 30 mil por ano. Muitos estão com R$ 100 mil. Esses que acumulam aposentadorias, que estão bem de vida, moram em coberturas na Lagoa, no Rio, sem o menor pudor foram lá dizer que não queriam só os R$ 100 mil, mas a pensão vitalícia.
É o caso do jornalista Carlos Heitor Cony?
PAULO JORGE: Sempre tive muita simpatia pelo Cony e estou lamentando ele estar envolvido nessa história. Lamentando porque é uma postura ruim. O José Genoino (presidente nacional do PT) abriu mão (dos benefícios). Fez o pedido, quando fizeram o cálculo e disseram para ele que ia receber R$ 70 mil, porque a opção dele foi pelos anos, ele abriu mão. Muitos poderiam ter também recusado.
