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Máfia dos combustíveis envolve desembargadores e juízas

Investigações conduzidas pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) revelam que um grupo de advogados tinha conhecimento, antes do julgamento, de sentenças que favoreceram a máfia dos combustíveis. Conversas dos envolvidos no esquema, gravadas pela Polícia Federal em 2002, quando foi instalada uma força-tarefa no Espírito Santo, fazem parte do inquérito que apura tráfico de influência na Justiça Federal do Rio, envolvendo distribuidoras de combustíveis. No inquérito, são citados pelo menos cinco desembargadores e duas juízas federais que atuaram no Rio.

Investigações conduzidas pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) revelam que um grupo de advogados tinha conhecimento, antes do julgamento, de sentenças que favoreceram a máfia dos combustíveis. Conversas dos envolvidos no esquema, gravadas pela Polícia Federal em 2002, quando foi instalada uma força-tarefa no Espírito Santo, fazem parte do inquérito que apura tráfico de influência na Justiça Federal do Rio, envolvendo distribuidoras de combustíveis. No inquérito, são citados pelo menos cinco desembargadores e duas juízas federais que atuaram no Rio.

As decisões judiciais — entre 2000 e 2003 — livravam pequenas distribuidoras de recolher impostos correspondentes a quase metade do preço cobrado nas bombas pela gasolina. Em muitos casos, os juízes ignoraram decisões do Supremo Tribunal Federal. Numa das conversas entre dois advogados, um deles, provavelmente marido de uma juíza federal, demonstra que os interlocutores tinham não apenas certeza da decisão que seria tomada, como conheciam a ordem da votação na turma dos magistrados. Em outra, um dos advogados se refere a pagamento de propina.

As investigações estão sob segredo de Justiça por envolverem magistrados. Mas, em despacho publicado no Diário de Justiça sobre o caso, o ministro José Arnaldo da Fonseca, relator do inquérito, afirma que as investigações do Ministério Público federal, iniciadas em março, apontam “tráfico de influência na obtenção de provimentos judiciais envolvendo distribuidoras de combustíveis”.

A conclusão do inquérito — que deve resultar em processo criminal no STJ — vai funcionar como uma nova etapa da Operação Ouro Negro, da PF, que há duas semanas levou 42 envolvidos com a máfia para a cadeia. O sucesso da investigação é fundamental para interromper a ação das distribuidoras que conseguem grandes lucros ao vender combustíveis livres de tributos, graças aos seus contatos no Judiciário.

Perda anual chega a R$ 2,5 bilhões

Segundo estimativa do Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis e Lubrificantes, a perda de arrecadação com a indústria de liminares é de R$ 2,5 bilhões por ano em todo o país. Quase metade do que o consumidor paga pelo combustível é imposto. De acordo com estudo do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), 44% do valor cobrado nas bombas são referentes a tributos (PIS/Cofins, Contribuição sobre Intervenção de Domínio Econômico).

— Esta ostensiva sonegação fiscal repercute negativamente na arrecadação dos tributos do estado. Além disso, gera desequilíbrio no mercado com a quebra do princípio da livre concorrência. Com isso, também estão sendo lesados segmentos essenciais, como a saúde, a educação e o transporte — lamenta o procurador-geral do Estado do Rio, Francesco Conte.

As distribuidoras, para obter decisões isentando-as de pagar ICMS, alegavam que venderiam combustível retirado de refinarias fora do estado. Com isso, conseguiam uma permissão especial da Justiça para não pagar o imposto sobre os produtos no ato da retirada pelo caminhão nas refinarias. Os investigadores estão convencidos de que o combustível era distribuído no próprio estado. Foi com base nessa investigação que a PF deflagrou a operação Ouro Negro, chefiada pelo delegado Cláudio Nogueira.

Para fugir dos impostos federais, as empresas alegavam que um artigo da Constituição proibia a incidência de qualquer tributo sobre combustível, além do imposto sobre importação e o ICMS. No caso da Cide, alegavam que a sua cobrança era inconstitucional por não ter sido criada por lei complementar, mas por emenda constitucional. As decisões foram tomadas apesar de jurisprudência contrária firmada nos tribunais superiores.

— A concessão das medidas liminares deveria ser precedida do depósito do ICMs incidente, como garantia, o que nunca foi feito — acrescentou Francesco Conte.

Além de servirem de prova, as escutas feitas pela PF revelam detalhes sobre os métodos do esquema: distribuições de processo dirigidas sem respeitar o sistema de sorteio dos juízes, pressões sobre magistrados e arranjos na composição das turmas para beneficiar as distribuidoras.

Um dos advogados que aparece na investigação já foi denunciado ao STJ, juntamente com dois desembargadores federais, por suspeita de ter se beneficiado de decisões judiciais. José Francisco Franco da Silva Oliveira aparece também na apuração do esquema que beneficiaria as distribuidoras de combustíveis e seu telefone está entre os grampeados. Procurado na sexta-feira pelo GLOBO, até o fim da tarde o advogado não havia retornado a ligação para comentar o assunto.

O esquema de produção de liminares atuava tanto na Justiça federal — para livrar as empresas do recolhimento de PIS/Cofins e Cide na origem (nas refinarias) — quanto na Justiça estadual, para isentá-las de ICMS. Por isso, os responsáveis pelas investigações devem começar também a analisar os processos julgados por magistrados estaduais.

A Procuradoria Geral do Estado do Rio fez um levantamento que mostra o número de liminares concedidas por magistrados federais e estaduais. Segundo o levantamento, um único escritório de advocacia, do advogado Arthur Hanning da Gama, onde trabalham três desembargadores aposentados do Tribunal de Justiça do Rio, obteve mais de 120 liminares.

Hanning da Gama garante que os três sócios ingressaram em seu escritório após o ajuizamento dos processos. Ele nega que os desembargadores aposentados tenham pressionado colegas para obtenção de liminares ou que, no tempo em que estiveram na ativa, tenham tomado decisões favorecendo distribuidoras.

— Todas as ações são anteriores ao ingresso deles. As empresas só procuraram o nosso escritório depois que obtive, em 2000, uma liminar favorável a um cliente do setor. Mas posso garantir que 80% das ações que promovi tiveram as teses indeferidas pela Justiça — afirmou.

Apesar de a investigação ter começado em março, as distribuidoras continuam buscando liminares no Judiciário. Em setembro, um processo no qual uma empresa reivindica o uso de créditos de ICMs na venda de álcool para quitar débitos estaduais teve a distribuição dirigida a um desembargador estadual. Este processo, que teve uma liminar favorável cassada logo depois pelo STJ, será investigado pelo MP em Brasília.

COLABOROU Rodrigo Rangel

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