Nos últimos dez anos o Estado do Rio deixou de pagar pelo menos R$ 10 milhões em remuneração e recolhimento de pecúlio a presos condenados que trabalham nos presídios fluminenses. Segundo o Fundo Especial Penitenciário (Fuesp) e a Divisão de Salários Penitenciários, da Secretaria de Administração Penitenciária, desde 1993 o estado não vem pagando os chamados “faxinas” (presos que trabalham em funções administrativas nos presídios), e não recolhe o pecúlio no valor de 15% do salário penitenciário — também exigido em lei — que garantiria ao interno o recomeço de vida ao fim da pena.
Segundo o secretário de Administração Penitenciária, Astério Pereira dos Santos, com 1.421 presos trabalhando como “faxinas”, o estado tem hoje um déficit de R$ 3 milhões/ano:
— Existe um sistema ideal, em que eu gostaria de pagar. No sistema real, tenho que escolher entre gastar esses R$ 3 milhões com salários ou construir casas de custódia. Eu, como qualquer governante, fico com as casas de custódia.
Isenção de ICMS ajudaria a criar empregos
Segundo ele, dos 20 mil presos cumprindo pena em unidades prisionais do Rio, 677 têm trabalho remunerado através de contratos com empresas:
— Nos próximos 60 dias espero implantar o programa de isenção de ICMS para incentivar empresas a criarem postos de trabalho nos presídios. O objetivo é construir presídios-modelo onde só ficarão presos que querem trabalhar. E a maioria, eu posso garantir, quer.
Até 2002, a dívida do estado somava R$ 6 milhões, segundo dados do Fuesp. O gestor Júlio Augusto de Campos explicou que o fundo chegou a pagar durante dois anos, mas parou depois por falta de recursos e principalmente por falta de uma rubrica específica:
— A Lei de Execuções Penais, que tornou obrigatória a remuneração de pelo menos 75% do salário-mínimo do trabalho do preso, é de 1984 e o Fundo foi criado em 87 para gerir obras e realizar manutenção dos presídios e execução de serviços, inclusive programas de ensino cultural, de assistência social e médico-hospitalares, nos órgãos locais do sistema penitenciário. Nunca foi função do fundo pagar salário a presos.
Segundo ele, essa função foi repassada em 2003 para a Divisão de Salários Penitenciários:
— Até hoje recebo ex-internos aqui procurando pelo pecúlio. Já reclamaram até que haveria repasse do governo federal para bancar esses salários. Mas não existe, temos convênios com o governo federal para obras e para cursos, mas não para salários.
O diretor do Departamento de Salários Penitenciários, Édson de Lima, confirmou que o estado não paga:
— Não recolhemos o pecúlio até porque este deveria ser baseado no salário penitenciário e eles não estão recebendo nada. No momento, não temos recursos para isto. Não saberia dizer de quanto é a dívida, pode ser mais que R$ 10 milhões, pode ser menos. Muitos presos já morreram, outros deixaram os presídios — explicou.
Apesar da falta de salários, muitos presos acreditavam que teriam acesso ao pecúlio quando deixassem a cadeia. Foi o caso de Altamiro dos Santos Serra. Ele ingressou no sistema em 94, condenado por extorsão mediante seqüestro. Trabalhou nos presídios Hélio Gomes e Lemos de Brito, como instrutor na Divisão de Educação e na biblioteca. Depois de seis anos sem receber salários, Altamiro acreditava que receberia o pecúlio:
— Eu ainda consegui um emprego e trabalho como instrutor de informática, mas quantos de nós não têm nada para recomeçar e deixam o presídio acreditando que receberão o pecúlio para montar um negócio legal?
Autor da lei estadual que regulamentou a Lei de Execuções Penais, o deputado Carlos Minc está convocando audiência pública no próximo dia 17 para discutir a questão do trabalho nos presídios:
— O mais chocante é que o Rio é um dos estados onde menos presos trabalham , menos de 10%, e tem um nível de reincidência criminal de 80%, o que é muito grave.