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Considerações sobre o uso de algemas

Para melhor desenvolvermos o tema, tomemos o seguinte exemplo: ao conduzir um preso, aparentemente pacífico, obediente, sem presunção de fuga, o policial lhe põe as algemas; estará, em tese, cometendo abuso de autoridade. Porém, por outro ângulo, se não lhe põe o apetrecho e o conduzido empreende fuga?

Outros artigos já foram publicados sobre a questão, mas em alguns verificamos apenas o tom discriminatório em relação ao uso de tal instrumento. Convém salientar, tudo se resume no direito à preservação da integridade física, princípio da dignidade da pessoa humana, dogma fundamental do Estado Democrático de Direito.

Operações policiais

O emprego de algemas é uma alternativa ao uso de armas letais e ao uso de força desmedida, e ocorre com a finalidade de imobilizar o conduzido com a observância dos seguintes pontos: a) uso da técnica policial adequada; b) uso razoável da força, com a finalidade de contenção; c) prevenir, dificultar ou impedir a fuga; d) evitar agressão contra policiais, contra terceiros ou contra si mesmo.

A necessidade da aplicação deve ser avaliada pela autoridade policial ou seus agentes, haja vista a inexistência de regulamento legal. A avaliação é eminentemente subjetiva, e deve considerar as circunstâncias da prisão ou da condução do preso, segundo os pontos já citados anteriormente.

O uso de algemas é abordado nos estudos teóricos das técnicas de imobilização e nas aulas práticas, lições que fazem parte das grades curriculares de todas as academias de polícia, pois é procedimento largamente aplicado nas operações policiais de qualquer instituição envolvida com segurança pública, no Brasil e no mundo. O policial que não adota tal procedimento de segurança põe em risco a sua integridade física, e a de terceiros.

A legislação

Como bem sustentam alguns articulistas, enfrentamos a falta de disciplina jurídica específica sobre o assunto. A Lei de Execução Penal, no artigo 199, dispõe que o emprego deste apetrecho será disciplinado por decreto federal. Entretanto, este decreto não foi editado até o momento. Porém, ao examinamos o ordenamento vigente, concluímos que podemos fazer uso das algemas.

O artigo 284 do Código de Processo Penal, apesar de não fazer alusão ao uso de algemas, autoriza excepcionalmente o emprego da força quando indispensável, no caso de resistência ou de tentativa de fuga de preso. O artigo 292 do mesmo diploma legal prevê que, se houver resistência à prisão em flagrante ou à determinada por autoridade competente, ainda que por parte de terceiros, o executor e as pessoas que o auxiliarem poderá usar dos meios necessários para a defesa ou para vencer a resistência.

Por sua vez, o Código de Processo Penal Militar, em seu artigo 234, §1º, cita expressamente o uso de algemas quando houver perigo de fuga ou de agressão da parte do preso, devendo, no entanto, ser evitado.

O recurso às algemas também deve ser observado no transporte de preso a bordo de aeronaves, conforme preceitos contidos no Programa Nacional de Segurança da Aviação Civil (Portaria R 528/GC 5, de 24/09/03) e no Programa de Segurança dos Aeroportos, previstos em regulamentos internacionais e adotados pelas autoridades brasileiras (Instruções do Comando da Aeronáutica).

Os citados programas tratam, dentre outros temas, dos procedimentos para os passageiros “sob custódia”, que devem ter o embarque coordenado de modo a estabelecer medidas especiais de segurança, e que seja feito discretamente, evitando alarde, estabelecendo uma conduta a bordo.

Pelas regras, a autoridade policial responsável pela escolta deve informar ao Departamento de Polícia Federal, empresa aérea e administração do aeroporto (Infraero), se a pessoa sob custódia é considerada “perigosa ou não”. O texto legal exige da autoridade policial que considere a periculosidade do preso para o transporte em vôos de passageiros, uma vez que a empresa aérea poderá negar o embarque pela “potencial ameaça” que ele representa à segurança do vôo e a dos demais passageiros.

A conduta a bordo, como podemos notar, é uma grande preocupação. Uma vez admitido o preso, não deve ser algemado a nenhuma “parte da aeronave, incluindo assentos e mesas”, mas o texto legal observa que a escolta deve possuir “equipamentos de contenção”, que não seja “cassetete, gás lacrimogêneo ou outro gás similar incapacitante”.

Por sua vez, no transporte marítimo ou fluvial também encontramos citação ao uso de algemas. Observamos na Lei Nº. 9.537, de 11/12/97, que regulamenta os procedimentos para a segurança do tráfego aquaviário em águas sob jurisdição nacional, especialmente no artigo 10, inciso III, a detenção de “pessoa” em camarote ou alojamento, com algemas se necessário, quando imprescindível para a manutenção da “integridade física de terceiros, da embarcação ou da carga”.

O Projeto de Reforma do Código de Processo Penal, artigo 474, contempla o uso de algemas, ainda que dentro do princípio da proporcionalidade: “Não se permitirá o uso de algemas no acusado durante o período em que permanecer no plenário do júri, salvo se absolutamente necessário à ordem dos trabalhos, à segurança das testemunhas ou à garantia da integridade física dos presentes”.

Ora, se a lei processual penal legitima o emprego da força física, assim como dos meios necessários, por que não o uso de algemas?

O apetrecho nada mais é do que um meio eficiente de contenção. A ação tem o condão de prover a defesa do policial ou de terceiros, como também de vencer a resistência oposta, e está resumida no princípio da proporcionalidade, e exige adequação, necessidade e ponderação na medida, conforme o artigo 3º do Código de Processo Penal.

Ementas dos Acórdãos do Superior Tribunal de Justiça:

“Não há que se falar em constrangimento ilegal em decorrência da manutenção das algemas do paciente durante o seu interrogatório, pois, nos termos da Lei Processual Penal, ‘ao juiz incumbirá prover à regularidade do processo e manter a ordem no curso dos respectivos atos, podendo, para tal fim, requisitar força pública’. Se o Magistrado reputou necessária a manutenção das algemas para melhor regularidade do ato, não há nulidade no interrogatório do réu” (HC 25856-PB – 5ª. T., Relator Ministro Gilson Dipp, j. 17.6.2003, DJ 25.8. 2003, pg. 336).

“Enquanto não regulamentado por lei o uso de algemas, o emprego deste meio de contenção, em nada incompatível com o princípio da inocência, deve ficar ao prudente arbítrio do juiz-presidente do Júri, a quem compete à polícia das sessões” (RHC 6922-RJ – 6ª. T., Relator Ministro Vicente Leal, j. 10.11.1997, DJ 09.12.1997, pg. 64.777).

Por fim, podemos fazer bom uso das algemas, desde que tenha conformidade com a razão, supondo equilíbrio e moderação, e não por simples capricho ou espírito de vingança, gerando as “prisões espetaculosas”, com fins sensacionalistas, de execração pública, pois tal prática pode caracterizar o constrangimento ilegal.

Fernando Paciello Junior, delegado de Polícia Civil, Campo Grande-MS