CAIXA 2. NORMA PENAL EM BRANCO IMPUNITIVA.
Fernando Montalvão
Titular do Escritório Montalvão Advogados Associados, consultor de direito público municipal, tem diversos trabalhos publicados em revistas, sites jurídicos e jornalísticos.
O título do texto não deve ser interpretado no conceito jurídico-penal da norma penal em branco. Trato apenas da miséria da ética nas atividades político-partidárias no Brasil atual. O sentido aqui é de se dizer, que, embora a norma penal especial recrimine e fixe sanção punitiva para o denominado Caixa 2, os integrantes de partidos políticos e exercentes de cargos políticos passam para a sociedade permissiva que tal prática é coisa comum e sempre existiu, como se fosse normal, sem cor, branca, portanto.
Dora Kramer em sua coluna diária publicada simultaneamente em vários jornais, dentre os quais A Tarde (Salvador – BA), sob o título uma “Vilã de frágil vilania” , ao mencionar o caso do Senador Eduardo Azeredo, usou a expressão banalização do crime eleitoral escrevendo:
“O silêncio complacente diante do arquivamento do caso do senador Eduardo Azeredo na CPI dos Correios, sob o argumento de que ele usou caixa 2 em campanha eleitoral antes de se eleger senador e, portanto, não quebrou o decoro exigido ao mandato, é o preço que o PT já começa a pagar por ter alimentado a banalização do crime eleitoral.”
Não trato do aspecto jurídico do arquivamento do caso. Nesse patamar, entendo que o Senador, Deputado ou Vereador não pode ter seu mandato cassado por falta de decoro, se o fato imputado a ele foi cometido anteriormente ao exercício do mandato. No caso específico, tentava-se responsabilizar o Senador pelo uso do Caixa 2 quando concorria ao governo de Minas Gerais. Perdida a eleição, posteriormente, ele se elegeu Senador da República. Se a acusação compreende eleição que não de sua eleição para o Senado, incabível é o processo de cassação do mandato. Se o Caixa 2 foi usado para sua eleição ao senado, cabível a cassação, eis que o mandato nasceu com sua eleição, publicação do resultado, diplomação, posse e exercício dele. Se não cabível o processo de cassação, persiste a responsabilidade criminal eleitoral, sem desprezar a responsabilidade criminal nos crimes contra a administração pública.
O Presidente Lula em sua célebre entrevista na França a uma mídia independente e exibida pela TV Globo, programa Fantástico, textualmente, diante das câmeras, afirmou que as acusações contra seu partido e respectivos membros exercentes de cargos políticos diziam respeito a Caixa 2, não tendo a menor importância porque sempre existiu no Brasil. A oposição, leia-se PSDB e PFL, trataram da defesa de seus parlamentares envolvidos em esquemas de Caixa 2, seguindo a lição do Presidente, nascendo, a partir daí o ACORDÃO que já absolveu parlamentares ou arquivou processos de cassação de mandatos.
Anteriormente, em artigo publicado na mídia eletrônica, sob o título PIZZA, ABORTO E COMIDA AZEDA (carosamigos, cmi e jeremoabohoje), anunciei, antecipadamente, o acórdão. Afirmei que seriam cassados Roberto Jefferson e José Dirceu e talvez mais um ou dois, tão somente. Acertei em cheio. A cassação de Roberto Jefferson não foi porque ele mentiu, tudo que disse restou provado, se deu por haver ele quebrado o “código de honra”, o código da “ometá”. Todo mundo pode fazer, não podendo, contudo, dizer que faz. É o farisaísmo em todo o seu esplendor.
O que machuca a sociedade brasileira e todo homem de bem é o cinismo. Banaliza-se o crime na pretensão de transformar a lei em letra morta. O problema é manter o financiamento de campanha, “por fora”, sem contabilização para efeito de prestação de contas ao Judiciário Eleitoral. Contabilizar é simples, é receita e despesa. Se declaro que meu custo de campanha será R$ 500.000,00, basta eu comprovar entrada de dinheiro até esse valor, com a correspondentes despesas.
No caso do financiamento de campanhas que abalou a República em 2005, a coisa é muito mais grave. As empresas estatais foram sangradas para financiar campanhas eleitorais nas últimas eleições presidenciais e para os governos estaduais. Cometeu-se crime contra a administração pública em sua forma mais escandalosa. Os recursos obtidos ilicitamente pelo valérioduto ou qualquer outra artéria criminosa foram direcionados em favor de partidos políticos e seus candidatos. Se houve assalto aos cofres públicos, a coisa não se constitui em excesso de campanha ou mera irregularidade. É a corrupção em sua forma mais pura. É crime eleitoral, não é coisa banal e nem qualquer coisa.
O que se passou para os brasileiros é que financiamento de campanha não contabilizado sempre existiu, coisa comum, banal, sem relevância nenhuma.Essa foi à explicação petista. Os conservadores ficaram calados. Não disseram se fizeram ou não. Deixaram acontecer os fatos para recolherem as sobras.
O Presidente Lula quando disse na França que a prática delitiva do financiamento irregular de campanha é coisa normal porque assim sempre aconteceu, levantou o estandarte da banalização nos crimes eleitorais, como se tal conduta estivesse desprovida de ética, moral e preceito cominatório.
Pela lógica petista, o PSDB na fase de Fernando Henrique Cardoso também se beneficiou do esquema, logo, isso é coisa de campanha, não podendo ter repercussão. Lógica impensável. A partir do pressuposto, se alguém matou outrem, todo poderá matar. Se alguém roubar, todo mundo poderá roubar. Se já houve desvio de recursos públicos para financiamento de campanha, o PT que teoricamente sempre empunhou a bandeira da ética, pode continuar desviando. A pensar assim, validada ficaria a sociedade bandida-elitista-elietoreira, esquecendo-se todos que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente e que “a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos.”
Paulo Afonso, 23.03,2006. montalvao@montalvao.adv.br