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Liberdade com responsabilidade

LIBERDADE COM RESPONSABILIDADE

Tenho por hábito fazer algumas incursões a sites diversos na Internet. Busco, continuamente, informações sobre o que se pensa na área jurídica e outras áreas concernente a novas idéias ou novidades que possam influenciar o viver social. Não sou sociólogo. Sou médico e advogado e, como tal, vejo-me inserto em uma posição bastante incomoda em algumas situações reais.
Tive o prazer de, ao concluir a graduação em Ciências Jurídicas, escrever uma monografia versando sobre a interrupção voluntária da gestação. Os levantamentos bibliográficos foram pesquisados durante cerca de três anos premiando livros, periódicos, revistas eletrônicas, literatura nacional e internacional. Resultou uma obra com cerca de duzentos e oitenta laudas (e ainda incompleta na minha atual visão).
Há alguns dias tive acesso ao artigo eletrônico da desembargadora Maria Berenice Dias intitulado “Direito fundamental ao aborto” e, com a devida vênia, tomo a liberdade (não autorizada) de tecer alguns singelos comentários, não sem antes afirmar que não pertenço a qualquer tipo de movimento pró ou contra o aborto.
A norma advém da sociedade para direcionar o procedimento social. As diferenças sociais mostram diversidades nos ordenamentos jurídicos nas sociedades o que determina, e é determinado pelo, proceder social. Assim, a necessidade de mudanças legislativas, é uma realidade contínua face à evolução da sociedade. O que, entretanto, leva este aprendiz a buscar o entendimento da mudança do proceder social é que essa ocorre de forma a considerar direitos sem, não poucas vezes, observar os deveres atrelados a esses direitos. Onde buscar esse entendimento?
No concernente ao artigo da desembargadora Maria Berenice o meu lado médico tem um sobressalto ao ler que “Sequer quando modernas técnicas de ultra-sonografia possibilitam identificar que está sendo gestado um ser sem vida, por ausência de cérebro (má formação que recebe o nome de anencefalia), preocupa-se a lei em esclarecer que a antecipação terapêutica da gestão não configura aborto em face da inexistência de vida a ser preservada.” (grifou-se).
Equivoca-se a eminente desembargadora ao profetizar que o embrião ou feto que se desenvolver no útero materno, por anencéfalo, é desprovido de vida. Contrariamente ao afirmado o indivíduo está vivo o que é confirmado pelo desenvolvimento somático observado durante o ciclo gravídico da mulher que o alberga. Outrossim, não havendo vida não se confirmaria o crime de aborto ao se realizar uma curetagem uterina e, portanto, não haveria a necessidade legal de se obter um alvará judicial para a interrupção daquela gestação. É unânime o entendimento doutrinário que é crime impossível a utilização de meios para interromper uma gestação quando a mulher não estiver grávida ou quando o embrião estiver desprovido de vida. Assim, o anencéfalo, embora desprovido de cérebro, está, via de regra, vivo dentro do útero materno e a sua retirada antecipada configura o crime de aborto.
Afirma, com muita propriedade, a desembargadora que “nem toda gravidez decorre de uma opção livre”. As situações em que isso pode ocorrer restringem-se, no nosso entendimento, a duas, a saber: a) Relação não consensual configurando o crime de estupro em suas diversas formalidades. b) Relação consensual sem as devidas precauções de contracepção, com as suas mais variadas justificativas e explicações.
No primeiro item (a) a norma vigente protege a mulher com o previsto no artigo 128, II do Código Penal. O grande problema social gerado encontra-se no item (b) cujas causas de gestação são as mais variadas possíveis indo desde o esquecimento do uso do preservativo (que se encontra gratuitamente em qualquer Unidade Básica de Saúde ou a valores bastante acessíveis em qualquer farmácia, supermercado, mercearia, posto de gasolina, etc) até a “culpa consciente” ou “dolo eventual” do ato a ser praticado.
O proceder social dinâmico manifesta-se, não poucas vezes, sob formas que propiciam lesões físicas e psíquicas aos cidadãos sem que essa mesma sociedade busque soluções para preveni-las. A busca pelo prazer é uma constante na vida do ser humano, seja esse prazer físico (sexual ou não) ou psíquico. A inexistência de limites no proceder social é uma constante visto que só se observa como limitação o que é determinado pela norma vigente. A norma vigente não define e não limita o que é o “ficar”. Determina a norma os direitos e deveres mas não as conseqüências do exercício do direito de se demonstrar e testar, sob todas as formas possíveis e imagináveis a sexualidade humana.
Como pode a sociedade discursar sobre controle de natalidade e planejamento familiar com uma postura social de risco?
Aborto não é meio de planejamento familiar e nem, tampouco, método idôneo de controle de natalidade. Não pode ser meio de planejamento pois este deve ocorrer antes do evento “gravidez”. Depois desta ocorrida não mais se pode falar em planejamento mas, tão somente, em interrupção de uma gestação. Não se pode falar em controle de natalidade visto que o controle da natalidade implica em meios preventivos que incorrem em evitar a gravidez e não em meios de evitar a natalidade. Em sendo o entendimento de controlar a natalidade por meio da interrupção da gestação deve-se lembrar o risco benefício desse método e do método contraceptivo.
Deste modo ousa-se discordar da eminente desembargadora quando afirma “Assim, frente a norma constitucional, que autoriza o planejamento familiar, somente se pode concluir que a prática do aborto restou excluída do rol dos ilícitos penais. (grifou-se).
O dever do Estado de proporcionar os meios necessários à paternidade responsável é conditio sine qua non, também no nosso entendimento, para a limitação consciente, ordenada e desejada da família dos nacionais. Entende-se que os meios devem ser colocados à disposição da sociedade, inclusive a interrupção da gestação, naqueles casos previstos na norma vigente. Não se pode fazer da interrupção da gestação um meio para perpetuar a irresponsabilidade sexual dos cidadãos.
Entende-se que o relacionamento sexual é direito insofismável do cidadão o qual pode exercê-lo de per si, ou com outra pessoa desde que ocorra de forma responsável. Um relacionamento sexual natural é entendido como ocorrendo entre duas pessoas de forma consensual e responsável. A relação não consensual (estupro) encontra-se prevista na norma vigente. A relação consensual que ocorre entre duas pessoas responsáveis é o nó górdio do assunto em comento.
Se os protagonistas do ato sexual são responsáveis e devem saber, obrigatoriamente, que daquele relacionamento pode advir uma gravidez, quem deve ser penalizado se o “dever de cuidado” não for tomado por eles? Ao se admitir a possibilidade da realização de um aborto por uma gravidez resultante de uma relação desprotegida por dolo (eventual ou não) ou culpa consciente dos protagonistas estar-se-á erigindo um obelisco à irresponsabilidade. Uma sociedade que aceita o aborto como forma natural de controlar o tamanho da família é, antes de tudo, irresponsável.
Se as normas penais prevêem as situações de culpa consciente e dolo eventual na área criminal, se o aborto ainda é crime sob qualquer aspecto no ordenamento jurídico autóctone, se uma relação sexual consensual ocorre, via de regra, entre pessoas responsáveis, se o Estado proporciona meios para o controle eficaz e adequado da concepção, se o instinto sexual normal é o que leva o cidadão a buscar sua satisfação com seu par é belo e não proibido na lei, se se têm todos esses meios para se exercer responsavelmente um direito, qual a necessidade de se realizar atos ilegais interrompendo vidas saudáveis ou não que se desenvolvem intra-útero?
Somente uma perguntinha para encerrar: Por que se realiza um plebiscito para as armas de fogo e não para o aborto? O que tem matado mais segundo as estatísticas?
Luigino Coletti